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Oficina de Escrita Criativa - "O Escudo"
Por Lígia Fernandes (Professora), em 2013/11/211163 leram | 0 comentários | 284 gostam
Texto redigido em Oficina de Escrita Criativa, na aula de Português, pela aluna Carolina Monteiro, do 8º A.
O Escudo

          Tratam-me por escudo. Não exatamente só por escudo, mas sim por “Escudo de um Rei desconhecido”. Feito do melhor ferro, na melhor bigorna, pelo melhor ferreiro. Datado de uma era repleta de guerras travadas por tudo e por nada: a ascensão ao trono, quem é o dono de tal terra, liberdade, riqueza ... Guerras travadas por assuntos nobres e outras não tão nobres. Guerras repletas do som das espadas a ceifar vidas, dos machados a colher almas, e dos escudos a protegê-las (e talvez mesmo a tirá-las: lançado de um certo ângulo, um escudo como eu bem podia partir uns ossitos a alguém). Infelizmente, não ajudei em nenhuma guerra. Como se vê pelas joias que ostento, e o meu aspeto demasiado frágil para parar sequer uma pedrita, eu fui apenas feito para exibição. Para decorar a parede de um rei horizontalmente extenso, que tinha mais que fazer (jantar, almoçar, lanchar, uma variedade de afazeres) do que travar guerras. Eu era simplesmente usado para causar a ilusão de que este tal rei se ocupava com defender o seu reino. Os objetos não podem escolher o seu destino. Eu podia ter sido testemunha de aventuras épicas, podia ter encontrado criaturas como Grifos, Hipogrifos, Dragões ou até Harpias ... Podia ter defendido um cavaleiro audaz de ataques fatais de ogres repugnantes, das chamas de uma grande Fénix, do trapaceiro Dragão Basilisco, ou até das garras temíveis do Lobo Foice ... Podia ter defendido soldados das flechas e espadas do inimigo, lutar lado a lado com reis e membros da nobreza por variadas razões ... Mas não. Simplesmente ficava pendurado naquela parede, ao lado de uma tapeçaria que mostrava a típica cena de uma caçada ao javali (de que o rei era fã. Não das caçadas, mas dos javalis. Especialmente assados). Em vez de participar em guerras e ser testemunha de criaturas temíveis, participei em jantares (e almoços e lanches), e fui testemunha das mandíbulas do rei mais rápidas que um falcão, que juro que podiam dobrar metal. O rei podia devorar um jantar de trinta e duas entradas, vinte e duas espécies diferentes de sopas, cinquenta e cinco pratos principais, um bolo de cinco andares (como sobremesa) e um assado de doze pardais com recheio de um javali estufado (um simples aperitivo) em menos de meia hora. Tinha mais de uma centena de cozinheiros que tinham de preparar os mais diversos jantares todos os dias. Pelo menos aposto que mais nenhum escudo viu tal coisa. Era o mais interessante que se via desde o meu pedestal.

          Todos os dias vejo os turistas a passar por mim. Eu sobrevivi, e encontro-me agora numa prisão de vidro num museu visitado diariamente por turistas ainda mais horizontalmente extensos do que o rei que era meu dono.
          Chamam-me “Escudo de um rei desconhecido”. Os turistas passam por mim de olhos esbugalhados, a admirar os diamantes e esmeraldas que ostento. A imaginar as aventuras que terei vivido, o cavaleiro de armadura brilhante que terá sido meu dono. Detesto desapontá-los, mas o rei meu dono não conseguia caber em nenhuma armadura (o tamanho dele era pelo menos dez X seguidos de um L), e a única guerra de que fui testemunha foi a que o rei travou para cuspir aquele osso de javali. E ainda assim ele perdeu.


                                          Carolina Monteiro, 8ºano, turma A


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